galera se liga no meu tumblr FUCK ME HARD ZEUS apenas imagens do deus dos deuses mandando ver nas quebrada nao marginais



STALKER

Em 2005 escrevi uma resenha bem-comportada sobre Stalker, de Andrei Tarkovski. Por incentivo de terceiros procurei pelo texto nos meus arquivos antigos de e-mail e, após pesada revisão, tomo a liberdade de publicá-lo nesse blog.

Peço que perdoem meu vocabulário: eu tinha acabado de entrar na faculdade e não sabia rebolar.

***

Filmado na Estônia em 1979, Stalker relata a estranha viagem de autoconhecimento de três homens metidos num matagal chamado “Zona”. Produzido no ápice da onda esotérica do fim dos anos setenta numa república soviética assolada pelo pesadelo do holocausto nuclear (que gerou do outro lado da Cortina de Ferro filmes catástrofe como The Day After), Stalker é uma bela metáfora desses anos difíceis.

Nos anos 1950 um misterioso meteorito caiu na periferia de uma pequena cidade eslava. Pesquisadores, Forças Armadas e sábios de todo mundo dirigiram-se para o local onde se acreditava ter caído o corpo celeste; porém, ninguém conseguiu voltar para contar a história. Consequentemente, o Governo optou por isolar o lugar, chamado genericamente por “Zona”. Mas foi criada a lenda que, em determinada parte da Zona, haveria um lugar onde os desejos mais íntimos de quem nele entrava seriam realizados; o que levou alguns habitantes da cidade vizinha a organizar expedições rumo ao dito “Quarto”, desafiando assim as autoridades e a pesada vigilância policial – logo sendo chamados de stalkers.

Um stalker não é um guia comum, mas andar pela Zona não é nenhum passeio no parque. Dotada de certa aura mística, a Zona é um labirinto sobrenatural com túneis, lagos, escombros de tanques e pontes; vestígios de estranha civilização, dispostos caprichosamente por uma desconhecida força maior. Apenas os stalkers conhecem os caminhos, sempre mutantes, de acesso e de saída da Zona. A ambientação lúgubre contribui para cristalizar o tom apavorante de Stalker: o uso da luz fraca do dia, a umidade constante, a vegetação estranhamente vasta são cenário perfeito para a sucessão de estranhos eventos que pontuam o filme.

A história gira em torno de três homens, cujos nomes próprios são omitidos: Professor (Nikolai Grinko), um físico caído em desgraça que se embrenha na Zona em busca de notoriedade – e, possivelmente, um prêmio Nobel; Escritor (Anatoli Solonitsin), consagrado autor de best sellers, alcoólatra e sarcástico; e Stalker (Alexander Kaidanovsky), um rapaz de triste biografia, ex-presidiário, pai de uma menina sem pernas e desempregado. O Stalker concorda em levar o Professor e o Escritor para o Quarto em troca de dinheiro; e, após passarem por um pesado ataque da polícia, atingem a estrada de trem que os levará para a Zona.

Optou-se por registrar as imagens que envolvem a estação de trem, a família do Stalker e a feia cidadezinha industrial em sépia. Intencionalmente a fotografia adquire cores quando se atinge o território desconhecido, permeado por um intenso verde escuro: a Zona. Fazendo da cor um artifício narrativo, é iniciada a segunda parte do filme. A luz, antes rígida e cruel com os rostos cansados, torna-se diáfana. Vêem-se árvores, insetos, grama, a natureza ausente na árida paisagem da cidade. A Zona, terreno do desconhecido, revela-se um ambiente tranqüilo e abandonado – aterrorizante em seu vazio.


Ao por os pés lá o guia adquire força e autoridade, visto ser o único capaz de identificar, compreender e despistar as armadilhas impostas pelo lugar. “Sejam bons ou maus, a Zona apenas aceita os que já não possuem esperança alguma”, ele diz. “Mas, até o mais infeliz dos infelizes não sobreviverá aqui se não se comportar”. E o lugar, realmente, parece possuir vontade própria, ora favorecendo, ora atrapalhando a jornada dos seus visitantes. Vale dizer que Stalker é antes um filme sobre fé, semelhante ao Beckett de Fim de Partida e o cinema de Dreyer e Bergman, e distanciado dos estereótipos sci-fi amplamente difundidos por Hollywood – pesem nisso explosões, aliens, grandes heróis, etc. Não se encontra nessa obra de Tarkovski um só símbolo concreto da existência de seres extraterrestres na Zona; o filme captura a atenção do espectador apenas com a suspeita de que há algo de estranho por lá.

À medida que embrenham no labirinto úmido e sombrio da Zona os personagens imergem numa dolorosa viagem de autoconhecimento, assumindo seus papéis num conhecido embate filosófico: a lógica, representada pelo Professor, contra a Arte, representada pelo Escritor, e a Fé, papel dado ao Stalker. Vários diálogos são então trabadps, entremeadas por poemas, citações do Juízo Final cristão, e sermões. Faça-se nota que, em nenhum momento, a compreensão do filme é comprometida por elucubrações inacessíveis, e seu teor muito menos se desvirtua, tornando-se um pretensioso tratado filosófico.


O grande trunfo de Stalker é despir o homem ante o insondável, o desconhecido, e, quem sabe, o divino, servindo de referência para inúmeras obras posteriores. “O importante”, diz Stalker para seus companheiros ao atingirem o Quarto, “é acreditar”. A Ciência, porém, não acredita em nada mais do que em si mesma, e a Arte, em primeira instância, desconfia. De repente a água, elemento sempre presente na úmida Zona, adquire símbolos novos: é a purificação, o batismo, a tempestade no deserto. Surgem outros elementos, como um telefone que toca misteriosamente, uma revelação inesperada do Professor, e uma certa coroa de espinhos. A transformação desses símbolos em outros, de impacto diferenciado, transmite estranhamento; uma espécie de desespero ante as convenções da civilização, o mesmo horror que Conrad descreve em O Coração das Trevas, ao som do “Bolero” de Ravel.


Ao final vê-se um Stalker desolado em seu leito familiar. A falta de fé dos últimos que guiou pela Zona acaba por desgastá-lo. Com a imagem de sua filhinha doente movendo copos com o olhar, iluminada pelo sol surgido para além das usinas nucleares, ouve-se um trecho conhecido da nona sinfonia de Beethoven, o “Hino à alegria”.

***

Os textos de 2005 me matam de vergonha com suas adjetivações excessivas, advérbios inventados, mesóclises babacas e conectivos saindo pela culatra. Só fui aprender português de verdade em 2007, e olhe lá. Mas dessa resenha até que eu gosto, porque não fiquei me aventurando em assuntos que não domino. Não sei se citaria Conrad com tanta facilidade agora, que nem do capitão Marlow consigo me lembrar numa mesa de bar, mas, sabe como é: pelo menos aprendi a rebolar. =)

por Amanda Meirinho, em 27.1.11 | 3 comentário(s)




SEA CHANGE

Sea Change é o oitavo álbum de estúdio de Beck Hansen e o primeiro que ouvi com atenção. Comprei o cd na semana de lançamento, em setembro de 2002, durante uma ressaca afetiva, e desde então afogo com ele as mágoas do coração. Nem Boatman's Call, nem aquele do Bob Dylan que todo mundo cita quando leva um chute. Meu lance é o Sea Change mesmo.

Daí que recomendei o álbum para um amigo que foi dispensado pela namorada e, alguns dias depois, comentei sobre ele no twitter, onde percebi que Sea Change gera uma solidariedade esquisita nas pessoas, sendo consenso entre os que se manifestaram ser a obra "ideal" para exorcizar experiências amorosas devastadoras. Enfim; o tema me fascina, e achei por bem comentá-lo.

Não vou discutir a vida amorosa de Beck Hansen. Odeio generalizar, mas assumirei aqui que quem adquiriu o Sea change em algum momento se perguntou o que aconteceu com a ironia e a efusividade de Midnite vultures e procurou se inteirar da história por trás do álbum. Sea Change foi feito, sim, imediatamente após um fim de caso, e todas as faixas do álbum discorrem sobre a fossa. Todas. Sem exceção.

Mas Sea Change não é um álbum de grandes canções. É daqueles cuja fruição é melhor se feita pelo coletivo. É recomendável ouvir todas as faixas, na ordem, uma após a outra, para entender o que "acontece" por lá, e só então escolher uma ou outra para gravar numa mixtape.

Faço esse conselho porque é possível reconhecer padrões em Sea Change. Tudo parece concatenado, numa tentativa de racionalizar a dor, ou pelo menos comentá-la como no divã de um terapeuta. E falar sobre sentimentos não costuma ser fácil para ninguém.

Para expressar melhor meu ponto, destaco alguns trechos das faixas do álbum, a começar pela a primeira estrofe de "Golden Age", faixa de abertura de Sea Change.


Put your hands on the wheel, let the golden age begin
Window down, and the moonlight on your skin
The desert wind cool your aching head
Let the weight of the world drift away instead
Não sei discutir com proprieade a atmosfera etérea que marca o início de Sea Change, já que, de música, compreendo apenas o que me emociona. A voz de Beck parece sedada, e os sons ao redor lembram o conforto de um sono pesado e intranquilo. É como o cansaço que abraça o desconsolo, a exaustão nascida das tristezas profundas. Feche os olhos e deixe que o peso do mundo se esvaia por você: descanse.

"Paper Tiger" não abandona a exaustão de "Golden Age", mas fala, ainda discretamente, sobre a perda. Um sorriso triste, um cigarro apagado e pronto, com timidez, a lembrança vem, mas com certo resguardo, um resquício de autoironia.
Oh deserts down below us
And storms up above
Like a stray dog gone defective
Like a paper tiger in the sun
Tigres de papel não metem medo em ninguém. O papel rasga, o papel molha… a metáfora é clara.
There's one road to the morning
There's one road to the truth
There's one road back to civilization
But there's no road back to you…
Não vou usar o Modelo de Kübler-Ross porque acho uma bobagem sistematizar o sofrimento, mas se tivesse que escolher um estágio que resumisse "Paper Tiger" seria negociação. A faixa termina com a admissão de que alguém precioso se perdeu. A sinceridade é tão dolorosa que "Paper Tiger" parece ter que acabar quando se admite essa perda.

Já "Guess I'm Doing Fine" é patética. É como se alguém perguntasse se está tudo bem, e a resposta fosse "sim", por hábito, e não pelas coisas estarem bem de fato.

It's only lies that I'm living
It's only tears that I'm crying
It's only you that I'm losing
Guess I'm doing fine
A reflexão sobre a tristeza parece substituir toda o conforto sedado criado por "Golden Age"; é hora de tentar voltar, de pelo menos buscar se recompor. Mas, para tanto, é preciso conversar com a dor.

E começa "Lonesome tears".


Lonesome tears
I can't cry them anymore
I can't think of what they are for
Oh they're ruining me every time
But I'll try to leave behind some days
These tears just can't erase
I don't need them anymore
Num movimento inesperado a faixa abandona o tom apático que marca "Guess I'm doing fine" e vem o refrão, num crescente emocionado.
How could this love
Ever turning
Never turn its eye on me
How could this love
Ever changing
Never change the way I feel
Pode parecer bobagem, mas a palavra "love" só aparece em Sea Change a partir de "Lonesome Tears". Em "Paper Tiger" o termo "you" surge pela primeira vez, marcando o tom pessoal do lamento, mas não está claro que se fala de amor. Em "Lonesome Tears" a perda inconsolável, porém resignada, dá espaço para um apelo sincero.

A constatação da perda amorosa introduz outro tipo de melancolia, dessa vez diretamente conectada com a realidade exterior às dores do eu-lírico. Em "Lost Cause" o tom é outro: a faixa é expressamente direcionada para alguém, como numa conversa. As metáforas dão lugar para um desabafo objetivo e, apesar da tristeza e do cansaço, os versos expressam firmeza em sua avaliação negativa sobre o fim de um relacionamento.


Your sorry eyes cut through the bone
Make it hard to leave you alone
Leave you here wearing your wounds
Waving your guns at somebody new
A outra metade do rompimento é exposta. A situação muda de ângulo; admite-se a existência do outro, fala-se de "feridas", egoísmo, histeria… a tristeza das quatro primeiras faixas de Sea Change é explicada através de imagens desagradáveis e avaliações desacreditadas sobre o círculo social do casal.
There's a place you are going
You ain't never been before
No one laughing at your back now
No one is standing at your door
That's what you thought love was for
Sea Change não é um álbum sobre um rompimento momentâneo. É sobre um fim de caso definitivo, após todas as tentativas e esforços e last fucks que marcam o término de uma relação profunda. "Lost Cause" não fala de uma negociação entre o casal, mas de um encontro durante o desapego.

Em "End Of The Day" Sea Change segue com o tom confessional, mas o foco das atenções é novamente o eu-lírico. Dessa vez se fala de ódio, da mutação dos sentimentos, de comportamentos perante o rompimento e autoconhecimento.
I've seen the end of the day come too late
Seen the love you had turning into hate
Had to act like I didn't even care
But I did so I got stranded standing there
Standing there

It's nothing that I haven't seen before
But it still kills me like it did before
"It's Al In Your Mind" observa o desapego numa perspectiva semelhante à de "Lost Cause", onde a exterioridade é exposta e reavaliada de forma negativa. Porém, há uma fragilidade maior nessa faixa do que em "Lost Cause". Uma vez constatada a mutação dos sentimentos em "End Of The Day", não parece estar claro quais rumos devem ser tomados após o rompimento.
You're all scared and stiff
A sick stolen gift
And the people you're with
They're all scared and stiff
And I wanted to be
I wanted to be your good friend
O resultado da reflexão parece ser devastador, e dá lugar à soturna "Round the Bend".


Turn yourself over
Loose change we could spend
Grinding down diamonds
Round, round, round the bend
A dor atinge seu ápice nesse momento, pois a faixa seguinte, "Already Dead", marca uma nova fase em Sea Change: a superação.
Time wears away
All the pleasures of the day
All the treasures you could hold
Days turn to sand
Losing strength in every hand
They can't hold you anymore
Uma vez vencida a calma sedada das primeiras três faixas de Sea Change, a exposição das quatro faixas seguintes, e a tristeza sorumbática de "Round the Bend" é possível sinalizar um avanço real na desobsessão, através de doloroso processo catártico.

"Tudo passa" continua a ser a mensagem evocada por "Sunday Sun", cujo final, apoteótico e barulhento, marca a redescoberta da estabilidade emocional abalada.
There's no other ending
Sunday sun
Yesterdays are ending
Sunday sun
Em "Little One" novos rumos são sinalizados. Narrada como num sonho lúcido, essa é a primeira faixa em que o termo "sea change" aparece.


Drown, drown
Sailors run aground
In a seachange nothing is safe
Strange waves
Push us every way
In a stolen boat we'll float away
A dor parece ter sido superada. Sem o ranger de dentes, a negação, a falsa segurança e a tristeza, o que sobra? É possível enfim falar sobre o que de fato já passou.

É com alívio que Sea Change termina com "Side of the Road" e seu refrão melancólico, sereno como o conselho de um amigo.
Let it pass on the side of the road
What a friend could tell me now
Recomendo o Sea Change para todos que levam um chute porque é um bom álbum sobre aprender a ser sozinho. Tudo, no final, parece ter ficado bem: é possível encontrar caminhos, ainda que dolorosos, de se conviver com seus próprios sentimentos. As letras soam sinceras, as melodias, assobiáveis… é uma experiência mais agradável para mim do que ler um livro de autoajuda, por exemplo, mas de peso semelhante.

Bem, todos temos o direito de buscar epifanias onde quer que seja. Eu, pessoalmente, sofro até com Roupa Nova, mas esse é um segredo meu, e só quem leu esse post até o final vai ficar sabendo disso.

Uma espécie de prêmio de consolação.

Recompensa.

Esquece.

por Amanda Meirinho, em 25.1.11 | 3 comentário(s)




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"Nem por todo chá na China" é uma corruptela da expressão "nem por todo o chá da China", que quer dizer "nem que a vaca tussa", "nem daqui a mil anos", ou, enfim, "nunca". O título é uma tradução livre de um trecho de All my Little Words, The Magnetic Fields: Not for all the tea in China/Not if I could sing like a bird /Not for all North Carolina/ Not for all my little words.

Header: Leda e o Cisne, Giampietrino, 1495–1549.

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