"Then we came to the end" é um dos melhores livros que já li. Joshua Ferris é um criador inteligente, afiado, sensível; e a edição brasileira do livro, publicada pela Nova Fronteira, saiu ano passado, depois (e não por causa) do meu parecer positivo, dado em 2006.
O livro é sobre alguns funcionários de uma agência publicitária em Chicago, que, no começo dos anos 2000, está fazendo um corte brutal em seu quadro pessoal. Mesmo assim, a galera parece estar mais preocupada em comer rosquinhas do que com sua eminente demissão. Entre fingirem estar trabalhando e dando paradas cada vez mais frequentes para o cafezinho, corre o boato de que sua chefe, Lynn Mason, padece de uma doença grave. Lynn lança então a campanha "O que há de engraçado no câncer de mama?", levando todos a uma epifania coletiva.
A graça do livro reside, principalmente, por ser narrado inteiramente na primeira pessoa do plural. Não há nunca um "culpado": o indivíduo se mistura na coletividade, onde os problemas de um são os problemas de todos. Jogue todo o maniqueísmo da literatura ruim na lixeira, e pronto!, temos um bom livro. Joshua Ferris ganhou meu coração.
Partindo do pressuposto que um bom texto merece um projeto gráfico à altura, não posso deixar de me revoltar com o tratamento pobre dado à capa da edição brasileira livro. O miolo, nem se fala: a crença de que o papel pólen dá ao livro a pompa merecida sobrepuja mais uma vez a obrigação do designer de bem gerir os elementos tipográficos. O resultado não chega a ser revoltante, porém... é legível. O que incomoda realmente é a capa. Não vou divulgar o nome dos "criminosos", novamente, por questões éticas, mas não posso deixar de publicar, aqui, a "prova" do crime:
Quando vemos uma capa de livro, nos perguntamos, sempre, sobre o que é esse livro. A capa é a primeira introdução ao texto, a narrativa visual mais exterior a esse. Antigamente, não se dava muita importância à criação das capas, e o livro era apenas o miolo; o comprador levava o fólio para um encadernador, que o revestia com uma capa durável, resistente. Só em meados do século XIX que se começou a pensar o uso comercial de capas ilustradas.
O Brasil é um dos países que melhor "pensa" capas de livros. Por conta de sua recente tradição tipográfica, o Brasil teve o bojo de seu discurso publicitário consolidado concomitante à criação da indústria livreira. As capas ilustradas são encaradas, aqui, como estratégia de marketing para o mercado livreiro, e não como o display de uma bela tipografia. Essa prática vai de encontro com a tradição francesa, por exemplo, em que a capa até hoje não é preferencialmente encarada como “ícone do livro”.
Em um país com grandes talentos no design editorial (Tomás Santa Rosa, Eugenio Hirsch, Bia Feitler, Victor Burton... ring a bell?) é realmente uma pena que a editora Nova Fronteira tenha aprovado uma capa tão pobre para "Then we came to the end". Ainda mais quando existe uma capa inglesa tão bonitinha quanto essa:
Que, na versão oficial da Penguin, ficou assim:
Bem como a edição americana, cuja proofreading (versão que li, inclusive), é essa:
Mas que, ao sair nas livrarias, teve um tratamento mais cuidadoso (embora acintosamente comercial) pela Hachette, e ficou assim:
De todas, a que gosto mais é a primeira capa inglesa, pois é lúdica, auto-alusiva, e não recorre a desenhos "humanizados", como é o caso da capa final americana. Na narrativa de Joshua Ferris, é essencial que se compreenda o "nós"; qualquer ilustração com o "rostinho" das personagens é prejuízo para o texto.
Uma capa é a "cara" do livro. É o que o vende, o que grita para o mundo a existência daquela publicação.
Pessoalmente, não concordo com a existência de "capistas" em editoras. Quem faz a capa somente não mantém a relação íntima com o texto que o bom designer de miolo possui, além de aumentar exponecialmente as chances de um choque de estilos, destrambelhando toda a identidade visual do livro. É uma pena que a imensa maioria das editoras não pense assim, e gere pequenos Frankensteins como o livro em questão.
Paciência: aos poucos, o mercado vai aprender a lição. Do pior jeito, é claro. Livros feios deveriam ser queimados numa fogueira de São João.
UPDATE:
A capa da edição portuguesa, publicada pela editora Casa das Letras, não é exatamente feia, embora eu a considere fria e excessivamente tech-savy.
Azul e tipografia pseudo contemporânea só me fazem pensar em uma coisa: windows vista. Medo.
por Amanda Meirinho, em 18.6.09
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THEN WE CAME TO THE END, JOSHUA FERRIS
Pela descrição o livro parece promissor, fiquei com vontade de ler.
Essa capa de Portugal é mais uma a seguir a cartilha do "neo-rococó" ou "neo-firulativismo" que está para os 00 como o verde limão e as ombreiras estão para os 80: texturas gratuitas, fontes grunge, muito gradiente e firulas rocambolescas. Mais do mesmo... Próxima década, por favor.
Descobri o blog hoje e estou gostando bastante dos seus posts sobre mercado editorial. Design de livros, para mim, é uma das áreas mais interessantes do design. Difícil encontrar fontes internas, rs
Depois do "convite camuflado", tenho de concordar (ainda que não tenha lido o livro) que a capa mais interessante é a que remete para os espaço de conjunto, ou seja, a inglesa que gostas. Em Portugal, revolta-me a falta de cuidado que existe no mercado literário editorial. Como disseste e bem, a capa é a introdução (e acrescento síntese), da mesma forma que um cartaz ilustra um evento e deve usar um tom convidativo e provocatório. Para mais, a noção de conjunto não existe. Refiro-me, claro está, ao mercado main stream, porque existem pequenos apontamentos de bons trabalhos, mas acredito que isto poderá mudar... (suspiro)
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